quarta-feira, 27 de maio de 2009

Doisneau


Às vezes a beleza está nos "nadas"









sexta-feira, 22 de maio de 2009

Waving Man!


Descobri já não há muito tempo uma figura que me fascinou.


Foi ainda este ano que, ao passar pelos lados do Restelo de carro, vi um senhor, já com alguma idade, com um grande sorriso na cara, muito bem vestido, a acenar a todos os carros que passavam. Experimentei acenar-lhe também. Respondeu-me com um sorriso ainda maior. E fiquei eu com um também. Porque é que nunca me lembrei disto? Se eu sei que são pequenas coisas que nos alegram o dia e que fazem a diferença. Porque não nos lembramos todos destas coisas?
Motiva-me muito ver pessoas que, seja por fugirem à solidão ou mesmo por não terem mais nada que fazer, escolham fazer algo muito pequenino mas que saibam que vai marcar na vida de alguém, num momento, num dia.

Depois de sentir esta enorme simpatia pelo senhor, decidi pesquisar e partilhar a razão que o leva a fazer o que faz. Encontrei então este texto perdido pelos locais cibernéticos, provavelmente de alguém que, também curioso, decidiu falar com aquele que eu passei a chamar de "The Waving Man" - Um exemplo para vidas futuras alternativas acima dos 70 anos.

Aqui vos deixo:

"Aos 72 anos, João Paulo Serra tem a inocência de uma criança, o espírito de um jovem, mas o olhar nostálgico de um ancião que sente «ter aprendido com a vida tarde demais». A sua roupa clássica e a ondulação do cabelo grisalho disfarçada com gel, dão-lhe um ar meio aristocrático, que já faz parte da paisagem do Saldanha. Todos o conhecem e quem trabalha nas redondezas sabe o seu percurso de cor.
«Chega por volta das onze, meia-noite... Começa pela zona do Monumental, vai descendo a rua até ao Marquês e depois sobe, parando sempre em pontos estratégicos. Nunca falha.». Arménio é chefe de mesa na marisqueira Maracanã e já lhe serviu alguns jantares. «É muito simpático. Quando passa aqui, acenamos-lhe pela janela. Só não sei: porque é que faz isto?».
João começa por dizer que não sabe bem, mas, a pouco e pouco, interrompendo sempre para acenar, vai desvendando o mistério. Tudo começou há três anos e meio, depois da morte da mãe, com quem vivia. Precisava de se distrair, incomodava-o a ideia de estar sozinho em casa. Um dia, aconteceu. Já reparara que as pessoas o cumprimentavam sem razão, nos centros comerciais e, sem saber como nem porquê, surgiu o primeiro aceno na estrada. Depois veio outro e outro, e o caso virou fenómeno.
«No início era só rapaziada nova, mas depois contagiei todo o tipo de gente», explica sem esconder um certo orgulho.
Graças ao seu «milagre», já deu entrevistas para a televisão e para os jornais, apareceu em dois filmes e até num teledisco. «Sempre quis ser actor mas nunca me deixaram...». Ou nunca teve coragem de tentar.

Algumas dezenas de acenos mais tarde, já não é um João risonho e despreocupado, «com imensos amigos» com quem vai «ao teatro e ao cinema», que fala por detrás dos óculos de massa negra. Nos olhos cinzentos, estão duas lágrimas contidas. Pelo passado, pelo presente e por um futuro que não chega. Com um raciocínio de fazer inveja aos mais novos, o louco, o excêntrico, transforma-se lentamente num avô contador de histórias, que lê Agatha Christie para combater o medo ao andar de avião, que não tem telemóvel porque detesta máquinas e que não vê televisão.
João nasceu no seio de uma família muito rica. Até aos dez anos, viveu num enorme palacete da Tomás Ribeiro, cobiçado mesmo pelo próprio Gulbenkian. «Que saudades tenho desse tempo... A casa estava sempre cheia de família e amigos...».
Mimado desde bebé, fez a instrução primária toda em casa, com um professor particular, pois no primeiro dia de aulas no Colégio Parisiense chorou tanto que os pais não tiveram coragem de o mandar de volta. «Fui criado numa redoma de vidro», confessa, explicando: «Naquela época era tudo muito diferente, havia muitos tabus.». Depois do divórcio dos seus progenitores, quando tinha 13 anos, João foi morar para o Restelo com o pai. Por ele, inscreveu-se em Direito, mas depressa desistiu, «era muito chato».
Depois de uma igualmente curta passagem pelo curso de Histórico-Filosóficas, o pai, «que não sabia que fazer» com ele, mandou-o para Londres com o irmão. «Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com quem viajei imenso. Teria lá ficado, se não fosse tão agarrado à família...». Sem quase pôr os pés nas aulas, regressou a Portugal e, depois da morte do pai, pouco tempo depois, foi morar com a mãe, de quem não se separou até ao último dia da sua vida. «Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e Madrid. Conheço a Europa inteira, excepto a Grécia...».
E o olhar perde-se num momento só dele, como se pensasse alto. Quando a mãe morreu, «ficou desasado». E talvez por isso esteja todas as noites a «comunicar».
Admite que o que faz «não é muito normal», mas não passa sem isso. É o remédio que lhe permite disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, por não ter ousado viver a sua vida em vez da dos outros.
«Ás vezes penso que foi tudo inútil...»No baú dos sonhos perdidos, jaz o curso que não tirou, o trabalho que nunca fez, os filhos que não teve e, pior, o grande amor que nunca conheceu. «Sinto-me só. Incompleto. Como se algo estivesse a falhar.
»E assim lacrimeja quando vê um casal idoso de mãos dadas, ou quando dois rapazes, que diz «reconhecer do subconsciente», param o jipe para tirar uma fotografia com ele.
«Encontramo-nos no céu», repete, aludindo ao que um diplomata ucraniano lhe disse uma vez.
O homem do lixo atira-lhe o derradeiro aceno da noite."

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Indefinido, divagação.

Nasci, ninguém me perguntou nada. Não escolhi, nem sequer me lembro. Se sei que nasci, é porque estou aqui. Será que saberei que morri? Não estarei aqui, não poderei senti-lo. Também não escolherei esse dia. Nem sequer escolho o ritmo do meu coração, o tamanho do meu corpo, a cor dos meus olhos.
Onde quero eu chegar? A uma única escolha, uma única decisão que eu tenha tomado. Quero definir-me. O que é que sou eu? Pondo de parte o meu DNA, o que o meio me conferiu, a sorte que tive, o que vi e vivi. Que valor tenho se eu sou apenas um conjunto de factores que não dependem de mim? Orgulho e culpa são palavras que não têm lugar no dicionário desta minha perspectiva. As pessoas são o que são e fazem o que fazem (o bom e o mau) porque não podem não o ser nem não o fazer. Ninguém escolheu ser o presidente da república, ninguém escolheu ser pedófilo. Simplesmente lhes foram conferidas diferentes características que em nada dependeram deles. Basicamente, ambos têm o mesmo valor pessoal, ou se o leitor preferir, o valor pessoal é algo de fictício, não existe.
Quem tem culpa? Quem merece?
Se as nossas características dependessem de nós, seriamos todos perfeitinhos, a sociedade seria um sucesso. Não existe culpa. Se deus existisse e a culpa também, eu teria a ousadia de dizer que ambos são um só! Mas como não existe, não sinto a necessidade de dizer o que acabei de escrever. Nascemos sem querer, morremos sem querer. Vivemos sem querer, numa ilusão. Dou por mim pensando que sou nada. Só o facto de estar a escrever e pensar neste momento, faz de mim uma pessoa tão igual e tão diferente do resto desta linhagem de robots a que chamamos de humanidade.

sábado, 9 de maio de 2009

Dilema fundamental inacabado

Ando com dificuldade em arranjar tempo para tudo. Ora tenho obrigações, ora tenho vontades. A minha vontade era de fazer uma agenda cultural e ir ver museus, ler todos os livros que estão aqui a apanhar pó, ver todos os filmes que há na minha lista para ver, pesquisar todas as bandas e ir vê-las ao vivo! Então não era isto que devíamos fazer? Não nos querem pessoas formadas? Então deixem-nos um bocadinho de tempo para nos formarmos culturalmente.
Esta coisa da escola devia apoiar mais a cultura, bem sei que os jovens hoje em dia não se interessam muito se a escola o faz, acham que o interesse pelas coisas é só para os "nerds" cheios de acne que não gostam de se divertir. Não, o interesse pelas coisas é essencial para uma vida preenchida, isto do meu ponto de vista. E o facto de nos interessarmos pelas coisas não nos faz menos aptos para nos divertirmos e sermos jovens, apenas nos faz é jovens com alguns objectivos. Talvez falte uma mentalidade diferente na grande massa. E se a escola já apoia, então que faça parte desse apoio haver uma preparação escolar mais dentro da escola e que nos deixe mais tempo para sermos exploradores. Eu sei, é um bocado utópico. É claro que as coisas se são assim é porque ou têm que ser ou então é porque não há forças para as mudar. Eu pessoalmente tenho ideias muito sonhadoras, daquelas do género: Era bom se toda a gente, não perdendo as suas características, gostasse de aprender e de saber; Era bom que as pessoas fossem todas pro-activas; Era bom que houvesse compreensão; Era bom a paz no mundo(esta era só para rematar em grande!), e não sei como as realizar, ainda preciso de umas vitaminas para o fazer. E já agora para dominar o mundo. Tudo para no fim poder fazer aquilo que me preenche.

Ontem, por exemplo fui a concerto de uma das minhas bandas preferidas provavelmente. Soube do concerto numa hora e na outra já me estava a preparar para ir ver. Foi um concerto óptimo, não me arrependo nada de ter ido. Mas há depois aquele peso "Bolas, tenho tanta coisa para fazer e fui para um concerto", é monstruoso. Dá-me a sensação de que me abriram a cabeça e puseram lá um dispositivo qualquer com o nome "Escola", cuja função é a de me lembrar a toda a hora que há exames, que há trabalhos, que há testes e que tenho que ficar com o conhecimento limitado às disciplinas que lá tenho.

É a lei da vida, as coisas são criadas e pouco tempo depois quem as criou ou morre ou esquece-se porque o fez. A escola foi criada para nos fazer seres cultos, não para nos ocupar todo o pensamento e tempo. Sucumbiu. Não sou nenhuma daquelas alunas que precisa de se drogar para aguentar a escola, nem sequer tenho o hábito de exagerar muito. Até reajo bem perante pressões, mas há limites para tudo e eu qualquer dia escolho o caminho mais fácil que é o de abdicar de algumas exigências que me fazem para cumprir algumas outras que eu faço a mim própria.

Calmamente, como sempre. Numa revolta pacifica e à espera de mais fundamentação lógica.

domingo, 3 de maio de 2009

É incrivel como passamos vezes sem conta por ruas e não lhes sentimos o cheiro. O problema talvez seja das novas tecnologias, já dizia noutro dia o meu pequeno eu cerebral de 88 anos. Sim, essas malvadas que nos fazem dependentes e que nos privam duma existência mais observadora, uma vivência mais partilhada (bolas, que hoje há inspiração!), que nos fazem perder de forma muito subtil pequenos pormenores do dia a dia. Se não andássemos tanto de carro não acontecia esta coisa tão irreal que é passar por ruas sem lhes sentir o odor, porque elas têm odores, tudo tem. Apercebi-me disso ao andar numa invenção mecânica, foi preciso uma Vespa para pensar "Já passei tantas vezes por aqui e não sabia que esta rua cheirava a flores".

É certo que este meu discurso é um bocado hipócrita, eu até gosto muito das tecnologias, no fundo este veículo metade mecânico metade "objecto de culto de design" fascina-me, é bonito e faz-me ter pensamentos engraçados contra os carros(desses já não gosto tanto), se a Vespa fosse um ser vivo eu dizia que ela só me está é a controlar para eu comprar muitas Vespinhas para ter na garagem. E no meio deste pensamento todo, a tal Vespa leva-me a contradizer o meu eu de 88 anos para concordar com ele noutro ponto, a culpa não é das tecnologias, a culpa é minha, é desta juventude preguiçosa a que pertenço.

Se calhar devia andar mais a pé pelas ruas que passo frequentemente de carro, só por curiosidade. Só para me sentir melhor comigo mesma. Porque, sinceramente, como posso dizer que conheço a minha terra se muitas vezes nem sequer lhe sinto o cheiro.



Ps: Acabei de me lembrar que estou sempre constipada (espero que não esteja, de forma inconsciente, a tentar arranjar desculpas para a minha cegueira).

sábado, 2 de maio de 2009

Vão para o diabo sem mim, ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

À falta de algo autenticamente meu, levam com algo de um grande amigo.

Lisbon Revisited (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)
­Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Alvaro de Campos, Nandinho Pessoa.